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26 novembro 2010

O Ensino Superior e cooperação internacional (2)


OS processos globalizantes não são um fenómeno que se manifesta apenas na actividade da história da Humanidade. Partindo do princípio que a diversidade dos grupos sociais que se foram constituindo em Estados, quer de uma forma pacífica quer através de um processo bélico, estabelecem fronteiras, pode-se afirmar também que o equilíbrio dessas mesmas fronteiras se concretiza através de uma correlação de forças.
 
Essa correlação de forças pode resultar da aceitação tácita de que uns são mais fortes do que outros e que através de um sistema intrincado de diplomacia se estabelece o respeito e a estabilidade de cada espaço ou então através de um terror multifacetado, a partir da dominação militar. Assim, aqueles estados mais poderosos têm consequentemente a necessidade de possuir também formas mais avançadas de domínio do saber e muitas vezes procuram impor os seus modelos de organização dos centros de conhecimento aos estados mais fracos e esta imposição pode não ser feita pela força, bastando muitas vezes criar nos outros a percepção de que não há alternativa aos seus modelos.
Os estudos superiores, tal como os caracterizamos nas páginas anteriores, são um processo imanente de cada grupo social e os mesmos respondem ao grau de desenvolvimento em que cada grupo se encontra, preenchendo os requisitos que o comunicado da UNESCO citado actualiza.
Contudo, quando em situação horizontal de relações desiguais se provoca também a percepção da desigualdade de níveis no estágio em que se encontram os estudos superiores dos estados mais fracos face ao estágio desses mesmos estudos nos estados mais fortes, a questão da função social das instituições do Ensino Superior tem os seus factores de discussão pervertidos.
O debate está na ordem do dia: primeiro, os estudos superiores devem ser para as massas ou para a elite? Todos nós sabemos de uma forma empírica, à vista desarmada, que até este momento, os estados não conseguiram que todos os seus cidadãos atingissem ou atinjam os níveis superiores da educação, mas este facto, por si, não determina a elitização do sistema.
Em Moçambique, por exemplo, é dado adquirido que o acesso ao Ensino Superior é direito de todos os cidadãos, no entanto, este desiderato virtual não faz com que todos os cidadãos acedam a esse nível de ensino. Em Moçambique, o número de estudantes do ensino superior representa 0,9 porcento dos estudantes de todo o sistema de educação. As razões não se prendem apenas com a questão de políticas públicas, mas também pelo facto da fragilidade económica e financeira que não permite que o desejo de massificar o ensino superior se concretize, apesar de todos nós termos a consciência de que a opção do Estado Moçambicano é o Ensino Superior para as massas. Ter 80000 estudantes no nível superior, num universo de 20 milhões de cidadãos, pode demonstrar quão distante está o desejo e a concretização do desejo.
Porém, este facto não impede que no seio da sociedade moçambicana surjam opiniões de que se o Estado Moçambicano optar pela massificação do Ensino Superior estará a enterrar a cabeça na areia, tal como as avestruzes fazem perante um perigo eminente, porque efectivamente, ao longo da história da humanidade, sempre se comprovou que a educação superior se concretiza através de um processo de crivo, em que a elitização dos que acedem a esses níveis se torna natural. Desta forma, a função social da Educação Superior, com vista a produzir o conhecimento e formar o cidadão, é simultaneamente uma função que visa o desenvolvimento através da produção do conhecimento, mas visa também a formação do cidadão que melhor sirva aos interesses do seu Estado.
Se considerarmos a consciência que as instituições do Educação Superior têm do seu peso específico no contexto das várias organizações e instituições em cada estado, é natural que a questão da autonomia académica e científica seja uma bandeira para este espaço da educação.
Desde a antiguidade que a relação entre a organização do estado e as instituições do estado e as elites do saber sempre mantiveram uma relação de mútua emulação que vai de interesse e atracção para uma forte rejeição, quando as diversas especialidades de estudos superiores começaram a sentir-se acossadas pelo poder, no sentido de lhes controlar o produto, que era o conhecimento, e controlar o pensamento dos seus membros, bem como dos seus formandos. Foi assim que as mesmas decidiram pouco a pouco a juntar-se e formar corporações a que denominam de UNIVERSIDADE, Universitas Magistrorum et Almnrum, ou seja, “O Universo dos Mestres e dos Discípulos”.
As universidades surgem como uma associação livre a partir das diversas áreas do saber do estudo superior, em que mestres e discípulos, da investigação e pesquisa, professores e alunos da formação, se juntaram para perseguirem objectivos comuns. E o lema era “Servir o Estado e a sociedade sim, mas com liberdade”.
Da mesma forma que o comunicado de 2009, a UNESCO dá um enfoque específico à criação do sentimento da cidadania através de uma crítica construtiva, como sendo o elemento fundamental do Ensino Superior. O princípio de autonomia e liberdade universitária é um património inviolável de dimensão mundial.
Na história do ocidente, sobretudo na cultura judaico cristã, nós verificamos o esforço que as outras corporações e o poder do estado fizeram para controlar as universidades. Hoje, a História fala-nos de que as universidades tiveram a sua origem junto das organizações religiosas, nomeadamente da Igreja, e nós assimilamos esta informação como sendo genuína. Contudo, um olhar mais atento há-de despertar-nos para o facto de haver uma profunda contradição entre a essência das universidades, face aos objectivos que perseguem relativamente à autonomia e liberdade, comparativamente à essência dogmática das religiões, bem como temos verificado na História, diversas tentativas de transformar as universidades em centros de produção de comissários políticos ou também e centro de promoção profissional.
As universidades guardaram dentro de si a memória da sua origem, isto é, corporações livres, autónomas em relação a qualquer poder, mas ao mesmo tempo leais à sua própria sociedade. Em última análise, um aliado fundamental dos diversos poderes para o desenvolvimento dessa sociedade que a todos diz respeito. O anichamento das universidades nas organizações religiosas resulta de um processo histórico que nos permite observar de que forma é que este nível de estudos foi sendo aproveitado e dominado pelos diversos poderes na História da Humanidade.
Nos últimos séculos, se considerarmos essencialmente os últimos 4 séculos: o Mercantilismo, o Século das Luzes, a Revolução Burguesa, a Revolução Industrial, a Revolução Bolchevique, o Neoliberalismo e por aí acima, havemos de ver que cada uma destas fases históricas procura puxar para si o controlo dos estudos superiores, travestindo às universidades à sua imagem e semelhança. De certa forma, podemos considerar que há uma face chamada universidade, que cede, mas a memória histórica da origem das universidades permanece e atravessa todas as vicissitudes que vai encontrando ao longo da História. Com isto, podemos afirmar que o debate entre se a universidade é o espaço de elite ou de massas é um debate de premissas silogísticas, porque é a essência da Humanidade, quando se organiza um grupo social, que a mesma crie um sistema organizacional e os estudos superiores fazem parte desse sistema organizacional com uma função de vanguarda na busca permanente do conhecimento e na formação adequada dos cidadãos para perseguir com ética e com competência os caminhos do desenvolvimento.
No fundo, as universidades são aparentemente um espaço da elite, mas não são uma elite económica, nem elite empresarial, nem elite política, militar, mas sim uma elite estritamente intelectual e académica, que não poucas vezes tem os recursos de sobrevivência estritamente necessários para o dia-a-dia. Quer isto dizer que os académicos, que são fundo são os operadores do espaço universitário, eles próprios não constituem elite, no sentido dos vários factores acima apresentados, mas sim, uma elite especial, por desenvolver actividades também especiais, na sociedade. Ao espaço universitário devem aceder os mais capazes, porque é com eles que a sociedade pode avançar. A elitização dos cidadãos não se faz, por isso, no espaço do ensino superior, mas sim fora desse mesmo espaço, porque dentro dele, o cidadão em formação é um simples aprendiz. Ele pode ser cooptado cá fora e integrar as várias elites do poder, mas este não é um problema da universidade.
Consideramos, portanto, que o debate universidade para as massas ou para a elite pode perfeitamente ser neutralizado, se tivermos em conta que todo o cidadão aspira um dia ter acesso a esse mesmo espaço e que a não concretização dessa mesma aspiração não depende apenas dele próprio, mas sobretudo da forma como a sua sociedade está organizada.
  • Lourenço do Rosário - Docente Universitário e Reitor da Universidade A Politécnica (colaboração)
(Idem) no dia 25 de Novembro de 2010
 
 
 

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